Floripa, 12/X/02

Sua Ligação Nos Traz Felicidade

Não tenho saudades do futuro. Fico empolgado pensando em avanços tecnológicos – e a minha empolgação some quando penso em trogloditas que usarão a tecnologia para chatear ainda mais a vida da sociedade.

Antes do computador assumir o papel do cérebro das instituições a vida podia estar difícil mas sempre havia esperança. Uns funcionários contavam idiotices, outros admitiam: “de fato, algo não bate aqui”. Hoje um funcionário olha em seus olhos e anuncia: “assim está no computador”. Compreendi que chegou o fim da vida inteligente quando um gerente da agência universitária do Banco do Brasil confirmou que uma fórmula de cálculo (a fórmula que traria uma reprovação imediata a qualquer estudante de “matemática financeira”) estava intocável e correta pois saia do computador. Há vinte anos seria possível que uma aula gratuita sobre progressão geométrica, usando uma voz suave, as letras grandes e algumas piadinhas, teriam trazido uma luz à mente do cidadão. Hoje babau, a mente está blindada, “o computador” é o pai, o guru e a luz do moço.

Agora, o contato direto com o computador deixa algumas chances a João-ninguém. A pessoa pode ficar furiosa e dar tapas no monitor, lançar a torre contra parede ou fazer xixi sobre a base de dados. Mas o time do computador com telefone é invencível.

Tudo que uma firma precisa para lhe humilhar, aniquilar e esquecer na poeira do tempo é o afastamento físico (obtido com palavras gentis: ligue gratis para zero oitocentos buba buba buba buba) e um computador onde inscreve-se o ódio e desprezo ao cliente.

Digamos que você tem um contrato com a TVA que fornece pelo cabo o sinal da tv. Você paga a anuidade com desconto esperando economizar o dinheiro e o tempo – mas você descobre que é preciso 6 meses, 12 ligações ao escritório e duas idas de carro lá mesmo para a matriz de Curitiba ficar ciente que você pagou há muito tempo e parar de ameaçar você de sanções bancárias e legais. Digamos que você aguentou tudo isso mas algum dia decidiu não aguentar a série de falhas técnicas deles. Quais falhas? Congelamento por duas horas de legenda com o texto em português. Uma imagem despedaçada em retângulos. O desaparecimento de voz. O eco de outro programa. Qualquer coisa.

Pois bem, ligo. Você é nosso cliente? Assinatura – disque 2. Internet – disque 4. Paciência. Disco 2. Seu código de assinante ou CPF. O código nem adianta, já experimentei: eles mesmos dão um número que chamam de código e depois eles mesmos dizem que o código não é válido. Nos Estados Unidos já seria um motivo de belo processo judicial pelo desprezo ao cliente. Mas CPF não forneço por telefone. Recomeço a ligação de zero escondendo que sou um cliente. A vozinha da Barbie me oferece mundos e fundos e manda apertar um dos quatro números. O único que pode dar certo é converse com um dos nossos atendentes. Durante três minutos escuto as picadas na orelha, chamas pelos especialistas de “Para Elise” de van Beethoven, interrompidas a cada 15 segundos pela informação: a sua ligação é muito importante para a gente, depois alguns clic e clac – e a Barbie informa: no momento todos os nossos atendentes estão ocupados. Por favor, volte a ligar mais tarde. Por sinal, o sistema de “fila automática” é usado na telefonia mundial desde os anos 60 do século passado. Você liga, encontra o número ocupado, o computador da firma registra o seu número e logo você recebe o retorno.

O que é necessário para montar um esquema tão idiota? No mínimo três elementos. Uma convicção que o cliente pode estar apenas errado e a firma tem que estar certa. Uma tremenda incompetência técnica. E a fé que o cliente não cancelará o contrato pois nunca localizará o funcionário adequado.