Floripa, 12/X/02

Imortalidade

A primeira e mais óbvia semelhança entre Guiné e Maranhão é arquitetônica. As vistosas e arejadas construções de estacas e barro determinam a vida dos seus habitantes e seus insetos coabitantes. Em ambos os lugares aconselha-se não entrar em atrito com as autoridades, uma viagem para fora (Senegal, em um caso; São Paulo, em outro) faz muito bem para saúde dos revoltados. Mas há algo mais, no clima cultural. O apreço pela literatura. José Sarney é o nosso Sékou Touré. E Sékou Touré era o José Sarney deles.

As escritas deles são igualmente fascinantes. Politicamente há de reconhecer que não era a mesma coisa. A matança de Camp Boiro era uma coisa africana. Aqui resolve-se os desentendimentos sem tanto alarde.

O nosso escritor ficou um pouco apagado e o sobrenome era lembrado no contexto de discussões feministas se “Rosana” e “Roseana” era a mesma coisa. (Caso tenha esquecido, Rosana era aquela que confundia “ProCarente” com “ProParente”. A identidade das duas foi conferida quando Roseana confundiu a Fazenda do Estado com o sítio do papai.)

De qualquer modo, José Sarney teve os seus contatos com o Além graças a um especialista disso. Não me lembro exatamente o nome dessa complicada profissão - creio que são os paranormais. O paranormal do Sarney ficou muito popular quando mesclou os conhecimentos econômicos, sexuais e espirituais e anunciou que as mulheres do Brasil adoram Sarney pois Sarney colocou na mesa do homem brasileiro muita carne bovina e o homem brasileiro ficou muito forte e a mulher brasileira ficou muito satisfeita. Mas os tempos mudaram, a carne bovina foi substituida por jet-ski, o dito cujo cedeu lugar ao iogurte e frango e a mulher brasileira já não parece tão contente. Portanto chegou a hora de renovar os estoques de paranormais.

A escolha do Sarney recaiu no Paulo Coelho. É o nosso Castaneda. E se você não sabe quem é Carlos Castaneda não se preocupe pois não há necessidade de ler Castaneda se você lê Paulo Coelho. Mas Pa.Co. (peço desculpas mas não há motivos para abreviá-lo à “P.C.”, isso seria um exagero) está muito ocupado recolhendo em lugares distantes os prêmios literários e aconselhando os governos como lidar com olho gordo etc, então os encontros frequentes com Sarney poderiam parecer impossíveis. Poderiam para alguém comum, não para uma personalidade como José Sarney. Pois surgiu uma vaga na Academia Brasileira de Letras. Era a vaga do Roberto Campos.

Não se fala mal dos falecidos. Portanto direi apenas que Roberto Campos era especialista em escrever que tudo que era bom era do governo - e que tudo que era do governo era bom. Escreveu tão bem que até os governos acreditavam nas escritas dele.

Você conhece os acontecimentos da imprensa. Pa.Co. lança a sua candidatura e Sarney o elege para a ABL. E ninguém abriria mão de tomar regularmente chá na ABL e tornar-se um Imortal.

Mais um dos Imortais do Brasil. No Portugal há José Saramago, na Perdigão habemus Chester e no Brasil temos Paulo Coelho. Mesmo assim, nós rimos dos portugueses …