7/IX/01

Feridos na TV

Andrzej Solecki

O desfile da Independência em Floripa; apesar da chuva fina os 700 ``excluídos'' não querem deitar abaixo de lonas montadas na frente da Reitoria e dirigem-se a Baía Sul para protestar. Mas, como disse um pensador brasileiro, ``quem saí na chuva é para se queimar'' - de fato a temperatura eleva-se de vez até o ponto de explosão, há um tal de ``confronto'' o que significa que os PMs entram com cacetadas e atiram em direção de manifestantes balas de borracha.

Uma voz no ``Jornal do Almoço'' informa: 11 policiais foram atendidos com ferimentos - e aparece um `close' de antebraço de uma mão fardada com esparadrapo em X do tamanho capaz de esconder uma Medalha de Bravura sem que a pele ao lado apresentasse qualquer irregularidade de textura ou cor.

Logo o Governador entrevistado expressa a sua visão: isso é normal, faz parte da democracia, se bem que os `sem terra' poderiam escolher outro momento, ou melhor nem isso, pois não têm motivo algum para protestar, pois este Estado resolve exemplarmente os problemas deles.

Sr.Governador, eu não entendi, o que é normal, que as pessoas cujo património cabe numa sacola têm direito de apanhar da polícia todo ano no dia 7 de setembro?
Além disso: acontece com enorme frequência que os responsáveis por Assuntos Públicos anunciam: ``nós somos responsáveis pelo bem-estar do povo; pelo mal-estar a responsabilidade é dos outros.'' As vezes pode-se suspeitar que esta atitude provém de mal escolhida turma dos auxiliares, nenhum dos quais têm contato algum com a vida real. A minha suspeita baseia-sa na atitude do Meu Presidente que me oferece o aumento de 3,5% (menos impostos, INSS e outros jeitinhos) a ser dado 150 dias daqui e está estranhando que não quero rir junto com ele da piadinha dele. A ingratidão geral do público lembra-me do conselho do Berthold Brecht aos governantes inatisfeitos com os seus povos: porque não aproveitem das próximas eleições e não escolhem um novo povo?

Mas - usando o ditado francês - voltemos às nossas ovelhas - quer dizer os PMs feridos. Tenho uma sensação desagradável de dejá vu - algo parecido já estava na televisão. Um capitão ferido e um sargento com corpo em pedaços - a TV anuncia que a bomba não podia ficar no colo do sargento pois nesse caso o pênis dele estaria despedaçado. (Os que tiveram acesso à documentação afirmam que o pênis dele estava despedaçado.) O Pasquim bota a capa que não passa pela censura: ``Felatio nacional: botam o pênis na boca do povo''.

Estou longe de radicalizar. Não sugiro que estão enfiando um antebraço na boca do povo. Não acho que nestas baías há costume de jogar os opositores do governo do helicóptero no mar. O Governador daqui não é um Collor ou ACM, a PM ou polícia civil é muito diferente dos seus colegas do Rio ou de Alagoas e a RBS tem muitos elementos que seriam impensáveis na Globo dos anos 70. Mas continua faltando os jornalistas que fazem simples perguntas: qual é o mais grave ferimento sofrido pelos PMs? E pelos demonstrantes? O número de feridos dos dois lados reflete uma razão sensata, que pode ser prevista pela comparação dos equipamentos deles?

Destaco com frequência para os meus estudantes: SC é algo excepcional no Brasil, veja os índices de criminalidade, de espalhamento da rede bancária, de atendimentos pelo Hospital Universitário etc etc. Mas … você notou que tudo isso refere-se apenas aos índices econômicos?

Talvez estamos no nível da Grécia. Talvez a nossa TV tem os equipamentos de USA. Mas as vezes a trilha sonora parece de Piri-Piri, Piauí.