Se Guga perder em Sidney vou ouvir disso várias vezes na TV. Se Guga ganhar vou ouvir sem parar. Mas não ouço coisa alguma sobre a parte mais emocionante da “novela Guga”: quem eram as forças do mal e quem são aquelas forças do bem que acabaram ganhando? Surpreendentemente, nenhum jornalista investigativo e independente tem interesse nisso.

Resumindo os primeiros capítulos: parece que Guga (ou deveria dizer: Sr. Gustavo?) costuma jogar em camisa com alguma aplicação ou pinturinha. Não sei se o negócio é feito em Java ou com tinta fluorescente, mas todo mundo paga ingresso só para ver esse detalhe nas costas do Guga e enquanto Guga está em posição frontal, por falta de melhor diversão presta-se a atenção à movimentação da bolinha de tenis.
Desfiles com a dita aplicação garantem a independência financeira de Guga e livre das preocupações sobre inflação e a taxa de juros do cheque ouro do BB ele decidiu cuidar disso que gosta mais de fazer – jogar tenis. (Por sinal, dizem que ele é um dos melhores do mundo nesse passatempo). Deu para Guga vontade de jogar nos Jogos Olímpicos.
Brasil tem uma centena de esportistas que merecem ir para esses Jogos mas o Brasil é um país pobre e não tem dinheiro para mandar eles de avião para Sidney. O dinheiro que sobrou no Ministério dos Esportes deu apenas para 400 passagens de cartolas, suas esposas, dirigentes, anotadores de estatísticas dos dirigentes e para 4 apartamentos de cobertura em Canberra ao preço módico de 4 milhões de dólares australianos cada um. (Não é Sidney, mas foi uma pechincha, em Sidney custaria agora mais de 6 milhões por apartamento.) As viagens de navio estão inviáveis por falta do parecer final da Comissão Extraordinária do Senado que tem que se pronunciar se uma onda grande que virou Bateau Mouche poderia danificar também um navio maior.

Felizmente há quem distribui as passagens de graça. São os fãs de esportes em várias empresas quase particulares de capital público que dão sempre uma mãozinha. Os dirigentes esportivos nunca oponham-se a essas doações e cuidadosamente acompanham os esportistas até a última escala e até o último almoço em Perth para verificar se as passagens são de boa qualidade e confortáveis. E para não perder alguma das estrelas nacionais juntam-nas em pares, vestem-nas em roupinhas do patrocinador e carregam de colo até o estádio. Guga se lixa de passagem e da roupinha, mas a regra é a regra. Como disse o Pres.Figueiredo “emplacação contra todos, todos com a emplacação”.

Os jornalistas não querem me ajudar e escondem os nomes dos patrocinadores (diz a cartilha do jornalista esportivo: “Não tomarás o nome do teu patrocinador em vão”), aparentemente até temem de mencioná-lo pelo nome ou apelido. Bem, fiz a minha própria investigação: liguei televizor e prestei atenção à roupinha de um esportista brasileiro. Estava lá escrito “Petrobrás”. Parei de entender qualquer coisa. Já ouvi que aquela aplicação de Guga é de alguma força contrária ao patrocinador. Mas quem é contrário à “Petrobrás”, Parque Yellowstone ou Greenpeace??

Pois bem, como fica então essa estória “vai ou não vai para os Jogos”, quem decide mesmo, o Brasil ou o patrocinador? E não daria para separar os negócios, por exemplo há um time de vôlei brasileiro e há um outro do Frango Macedo?

O esporte ficou muito sofisticado durante a minha vida. Quando eu era pequeno o esporte estava movimentado pelos milhões de amadores. Agora está movimentando bilhões de dólares. Imagens ficaram mais nítidas e em cores mas ficou mais difícil acreditar em alguma coisa. Antes ví Zatopek correndo e sabia: “está correndo Zatopek”. Agora vejo uma esportista carregando a tocha olímpica e ouço que não é uma esportista mas filha de um cartola. Tomara que o progresso de computação gráfica resolve o problema por inteiro e substitui os Gugas pelas figuras virtuais, livrando os cartolas de preocupações sobre drogas, loiras e retornos atrasados para concentração.

Por sinal, não é a única coisa da atualidade que foge a minha capacidade de compreensão. Há aquelas eleições. Trabalhei nas eleição (de graça mas não de boa vontade) várias vezes, já fui o presidente da seção, mas nunca consegui entender a estória do “coeficiente eleitoral”. Sr. A tem x votos, Sr. B tem um terço disso, mas Sr. B vira vereador pois tem melhor coeficiente eleitoral. De onde ele tirou o seu coeficiente, do sapato? Do bolso? Do baú da família? Mas isso é nada diante dos suplentes. Vejo no Almanaque Abril quem me representa onde e descubro um montão de figuras que nem receberam votos, nem buscavam-nos. Eles apenas inscreveram-se em algum caderninho misterioso dos “suplentes”.

Em momentos de glória cheguei a entender algumas coisas meio difíceis. Uma página de Bergson. Uma demonstração de Gödel. Uma piada de Woody Allen. Mas esses suplentes e coeficientes...

Bem, está na hora de assumir o meu lado de Forrest Gump. A sorte e as circunstâncias me levam às situações inesperadas: emociono-me na frente de TV. Sinto a minha importância diante de uma urna. Até apertei a mão do Roberto Campos (sim, “Campos”, não “Carlos”. Mesmo assim, não foi tão ruím para um matemático...) – ele pensou que eu era carioca e precisava do meu voto. Estou participante e realizado.
Chame me simplesmente de “Gump”. Com acento na terceira sílaba.