Perguntas de 1% do semestre 99.2As regras eram seguintes:
A lista das perguntas |
Primeira pergunta |
Sistema de coordenadas |
Comentário de 1999:
Não posso chamar as seguintes linhas de uma tradução. Peguei as frases iniciais da La géométrie de Descartes e as digamos adaptei a linguagem de hoje. Quis obter a fidelidade ao sentido e não ao verbo. Note que o texto foi escrito há 360 anos, desde então havia mudanças tanto em sentido de termos específicos quanto no modo de compor as frases ou conduzir os argumentos.
Qualquer construção geométrica pode ser descrita desse modo que o conhecimento de comprimentos de certos intervalos já leva a execução dela. Assim como a aritmética consiste de quatro ou cinco operações (quer dizer: adição, subtração, multiplicação, divisão e extração de raízes e esta operação pode ser vista como uma espécie de divisão), também em geometria para achar intervalos desejados precisa-se apenas adicionar ou subtrair outros intervalos ou usar uma das operações seguintes: tomando um intervalo escolhido a vontade chamo-o de unidade (e faço isso para sugerir maior possível semelhança com os números) e tendo dois outros intervalos busco o quarto que será tão relacionado com um deles como o outro com a unidade (e esse processo seria o mesmo que a multiplicação). Depois (para aqueles dois intervalos) busco o quarto que tem-se a um deles como a unidade ao outro (e esta vez teria a divisão). Finalmente, busco uma ou algumas médias entre a unidade e um dado intervalo (e agora teria a extração de raiz quadrada, cúbica etc). E não hesitarei de introduzir esses termos aritméticos para a geometria em nome de maior clareza. Não sou adepto de embelezamento histórico de textos matemáticos. Se um livro de geometria analítica menciona que coordenadas cartesianas foram introduzidas por Descartes e coloca uma ilustração do dito cujo (sequer explicando o grau de confiabilidade dela) mas nem toca no assunto de sentido dessa frase sobre introdução, os estudantes estão levados mais em direção do preconceito do que de conhecimento. Surge uma convicção que antes do Descartes ninguém entenderia a frase do tipo vá 100 passos em direções daquela árvore e depois 25 passos para direita. Mas será que o Colombo não usava os mapas? Ou só depois de Descartes foram inventadas as direções de leste-oeste e norte-sul? Obviamente há algum ponto mais fino nesta estória. Bem, desde os tempos de Tales sabia-se que a única interpretação geométrica do produto de dois comprimentos é uma área do retângulo com as adequadas arestas. Foi uma grata surpresa quando com a frase citada acima Descartes sugeriu a receita: pegue os intervalos com comprimentos 1, a, b ajeite-os como mandam as hipóteses do teorema de Tales para que o seu esboço corresponda à proporção a:1 = x:b o quarto intervalo que surge da construção tem justamente o comprimento x = ab. É surpreendente que durante 2300 anos1) ninguém se deu conta das possibilidades que oferecia o teorema de Tales mesmo que esse resultado fazia parte indispensável da instrução. A conseqüência da invenção não era a capacidade de marcar no plano um ponto designado por dois números digamos 5 e 7 que corresponderiam às quantias adequadas de certas unidades, traçadas em duas direções mas a capacidade de marcar pontos descritos por duas expressões envolvendo variáveis e operações aritméticas! O trabalho de Vieta em décadas anteriores consolidou o uso de símbolos gráficos para constantes e variáveis2) mas agora a capacidade de construir um ponto designado por exemplo por x e x 2 abria o caminho de duas vias entre a geometria e a aritmética. Portanto a revolução cartesiana apoiava-se em criação da reta numérica. Ou talvez semi-reta, pois a interpretação de números negativos como pontos da reta surgiu uns trinta anos mais tarde como efeito de estudos da obra de Descartes, estudos feitos por Isaac Newton. volteSabia-se há tempo que também um tal de Bombelli no século XVI percebeu isso a descrição dele foi achada no manuscrito e publicada no século XX. Alguns anos atrás os historiadores da ciência descobriram que Bombelli já divulgou essa descrição no seu livro Álgebra publicado ainda em 1572. Portanto, a rigor, o trabalho do Descartes não era em 100% original e inédito mas foi primeiro que teve uma significativa divulgação e influência social. volteUma citação curta mas ilustrativa da escrita de Vieta do final de século XVI: |
Quarta pergunta |
Comentário de 2001: havia quem lembrou-se de sólidos platônicos
- ou aprendeu na Rede sobre eles.
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Sétima pergunta |
Comentário de 2001: em geral dentro de cada turma dos estudantes
há alguém quem sabe de que se trata. Volto à questão
frequentemente,
há poucos momentos tão importantes na história mundial de educação.
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Oitava pergunta |
No comentário de 1999 escrevi:
Talvez você queira ver uma parte do artigo da Encyclopaedia Britannica sobre Georg Cantor isso pode modificar sua opinião sobre alguém que para estudantes de matemática é conhecido em geral só pela associação com o número álef zero e com o conjunto de Cantor e em seguida citei o artigo da Macropaedia. |
Nona pergunta |
A arte de resolver problemasEis a questão: não há muitos livros no Brasil sobre a tecnologia de aprendizagem, livros que serviriam para alunos ou estudantes (em geral: leigos em problemas de pedagogia), ensinando as técnicas de estudo, análise de texto, memorização etc. Um texto desse gênero, específico para o estudo da matemática, do matemático húngaro Pólya György (matemático norte-americano George Pólya, se você prefere) How to solve it Como resolver isso foi traduzido em português no Brasil como A arte de resolver problemas. Bem, o adágio italiano traduttori - traditori indica que a questão de fidelidade do translado de um texto de uma língua para outra nunca era fácil mas neste caso considero chocante a modificação do sentido do título. Acho que a diferença entre as duas frases ilustra marcantes diferenças entre mentalidade de um matemático e de um empresário (editor) brasileiro. Você saberia comentar o que há por traz dessa modificação? Por favor, nada de metafísica ou improviso. O material é escasso mas muito concreto. Lembre-se que um paleontólogo precisa menos as vezes só um pedaço de dente para propor hipóteses sobre o corpo do bicho e o seu hábitat. Aprenda enxergar a riqueza de informações transmitidas em poucas palavras. |
Comentário de 1999:
Muitas informações sobre George Pólya, o herói da última pergunta de 1%, você achará no endereço Polya.html. Aqui vou traduzir algumas frazes, só para despertar o interesse para uma das impressionantes figuras da vida matemática deste século. Doutorado de matemática em Budapest em 1912. Estudou o direito mas o considerou chato. Passou para línguas e literatura. Para compreender a filosofia passou a estudar a matemática. Uns tempos depois brincou: sou bom demais para filosofia e não bastante bom para física. A matemática está no meio caminho. Antes de mudar (da Alemanha) para os Estados Unidos escreveu em alemão o esboço do livro How to solve it. Tentou com quatro editores até achar um em USA que publicaria a versão inglesa. O livro vendeu mais de um milhão de cópias. Há várias famosas expressões dele; quase sempre uma forma jocosa encobre uma reflexão profunda. Algumas citações: As respostas Não está acabando o costume de comentar as idéias preconcebidas (em vez de comentar o texto) e de tomar as posições usando atitudes emocionais transmitidas pelos adjetivos (em vez de dissetar fatos que levariam até as atitudes). o empresário brasileiro não teve funcionários que tivessem o conhecimento eficaz na área matemática e também na tradução Muitas acusações com base nula. uma editora sem interesses financeiros Uma editora sem interesses financeiros é uma editora falida. Além disso não me interessa se o editor quer cometer suicídio financeiro ou quer ficar rico, eu pergunto qual é a diferença entre dois títulos. marketing O quê um rotulamento acrescenta à análise de diferenças entre dois títulos? Só as respostas da Vera Lúcia, do Luiz Fernando e do Antonio Luiz trazem pequenos elementos de análise mais concreta (e são estas pessoas que ganham o ponto). Há em respostas deles as observações sobre pontos seguintes: a arte sugere solução de algum mistério; o título brasileiro sugere a existência de soluções genéricas, pacotes - e não de análise de soluções de problemas concretos; e que supostamente (se acreditar no título daqui) a resolução não está no conhecimento e sim em regra que o livro mostrará.
Meus comentários
Vejo aqui que ambos os autores de títulos conheciam as preferências do seu público-alvo. O norte-americano cresce no mundo com um mandamento básico do it yourself faça você mesmo. Os livros que dizem como fazer (uma casa, massa muscular, casamento feliz, leite de soja, carreira em grande firma, moldura, computador) vendem sempre. O brasileiro ouve desde a escola primária que o governo tem que fazer. Você aceita a visão e quer culpar os portugueses? Tenho pouco apreço pelas explicações com bases étnicas. Estou convicto que hoje paga-se aqui pelos séculos de preguiça a preguiça dos ricos, obviamente, possível graças a longa exploração das gerações de escravos, que não tiveram qualquer coisa nem de preguiça nem do mundo de preguiça. |
Décima primeira pergunta |
Comentário de 1999:
Você já sabe (talvez sempre soube) que o gato de Cheshire tem aquele estranho costume que no começo ele está sumindo e só depois desaparece o sorriso dele; que o criador dele, Lewis Carroll, povoou com ele e com muitas outras estranhas criaturas o livro Alice no País das Maravilhas; que quando abandonava a encarnação de escritor tornava-se Charles Lutwidge Dodgson, matemático especializado em lógica e álgebra; que o seu lado matemático passou sem maior destaque na história (injustamente, por sinal) mas desde 100 anos produz-se pelo mundo afora os trabalhos de mestrado, doutorado e livre-docência sobre a fantasia, os neologismos, os absurdos e a filosofia contidos nos dois livros infantís escritos por ele |