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São raríssimos os casos de pessoas cujas respostas indicam que sabem o que estão fazendo no curso de matemática. É inocência? Irresponsabilidade? Pouco importa o nome, o que vale é o fato: as pessoas decidem passar a vida inteira, uns 40 anos entre estudos e o trabalho, na profissão sobre qual não sabem de que se trata. Não conhecem sequer os nomes de áreas dela ou de cientistas de destaque (as respostas que jogam: funções ou matrizes como área de matemática ou dão como famosos matemáticos nomes ligados com algum teorema estudado na escola apenas tornam tragicamente evidente como estão perdidas e despreparadas). Se você pretende passar uma semana em alguma cidade do litoral, você faz pesquisas sobre os preços e hoteis, sobre limpeza e segurança das praias . Mesmo em pequenos projetos, nem que seja a compra de uma escrivaninha, você considera uma série de fatores, pergunta, testa... Agora, aparentemente as vidas valem muito menos, pois sem ter a mínima noção de que se trata, sem ter condições de saber se vão gostar disso e se têm disposição para cumprir as tarefas necessárias no meio de treinamento, as pessoas lançam-se para estudar a matemática. As consequências são fáceis de prever mas quem pagará a conta desse semestre queimado? Ou será que continuaremos na doce ignorância sobre os custos de um semestre de curso na UFSC?
Já mencionei em aulas a palavra: elite. Gostem ou não, vocês fazem parte da elite desta nação. A maioria de pessoas encara isso como um privilégio, não ligado de modo algum com deveres É aqui que está a maior diferença entre o Brasil e o tal de primeiro mundo: lá em maioria dos casos de jovens de elites a escolha do caminho e bem repensada, ponderada e adulta.
Respostas às perguntas do questionário? Pode ir procurando, faz bem para saúde aprender buscar as informações. Mas enquanto você não souber os dados básicos sobre os custos e salários, sobre usos e perspectivas nesta profissão você não deve se pronunciar sobre esses temas, seja no bate-papo do barzinho, seja em discussões mais sérias.
Sobre as perguntas 7 e 8. Não é para conferir se há no Brasil racismo
ou machismo. Não preciso aqui questionários é suficiente cruzar
os dados sobre a proporção de negros no Brasil com os dados sobre
o número de professores e estudantes negros na UFSC. Ou sobre a proporção
de mulheres na sociedade e o número de diretoras de centros, reitoras
e outras mulheres destacadas na mesma instituição. O resto é fumaça e
conversa para boi dormir.
A pergunta e para conferir se usando o anonimato da resposta, sem
preocupação de responsabilidade criminal ou social, há pessoas desta
secção de elite que revelam esse câncer do seu caráter. Bem, há. Por
volta de 5% da turma admite e cultiva o seu preconceito. Afinal, nada
de surpresa, é a sociedade que há 5 ou 6 gerações era escravista.
Quanto a aquele engraçadinho que afirma (em resposta 8) que as mulheres
contribuiram na área de serviço doméstico acharia isso muito divertido
se não fosse o país onde um cidadão mata a namorada com 2 tiros e recusa-se
aparecer na frente do delegado pois está muito abalado emocionalmente.
Também engraçadinho.
Por sinal, esse autor é a mesma pessoa que acha que a matemática não tem
aplicações na biologia e que nas escolas mencionadas em pergunta 6
ganha-se uma micharia. Não sei quantos reais é uma mixaria mas sei
que esse salário não faria feio em escolas da metade dos países europeus.
E o que faz no questionário a pergunta 9? Antes de mais nada: China contribuiu com desenvolvimento da matemática, a Roma nem tanto assim. E ambos eram os impérios numerosos e poderosos. Portanto o tamanho da população deve ser importante para que a matemática possa ser desenvolvida mas não é uma garantia automática disso. E quais são os dados numéricos? Procure, ache. Dicas: na China nesse período houve o primeiro conhecido censo do mundo (descontando o da Arca de Noé) e sobre a Roma deve ter alguma indicação na famosa frase sobre toda a riqueza da Sicília que desceu pelos esgotos da (cidade de) Roma.
Então, sem surpresas? Isso mesmo. Pode-se esperar que as turmas seguirão a rotina traçada pelas turmas do passado? Não necessariamente. Aqui entra aquela estória do livre arbítrio. Há todos os riscos que isso acabe mal mas quem determina o futuro não é a média das turmas do passado mas o Teu empenho pessoal em todos os finais de semana, no horário de todas (muito educativas) novelas da Globo; a Tua disposição de entrar na biblioteca e abrir os livros que nenhum professor mandou abrir; a Tua escolha do grupo de trabalho; o Teu cuidado na hora de repensar o material da aula. E pode crer que vale a pena. A satisfação de ter compreendido algo novo, a auto-estima, a percepção que as peças começam encaixar-se no cérebro são acessíveis para você e têm valor que em nossas vidas tem mais importância do que moedas.
Por obrigação profissional, pela minha formação e também por conhecer várias histórias de sucesso, vou torcer por você com simpatia e esperança. Se alguns anos daqui você estará entre os que trarão a consecutiva nota A do provão, uma parte da Tua glória ficará aqui, no meu ambiente do trabalho.