Eis a carta que recebi um dia da Fernanda.
O meu raciocínio talvez iria assim: 98% é 98 em 100, mas 98/100=49/50 e como as condições do exercício não permitem aumentar o número de mulheres a 2, tem de diminuir o tamanho da turma inteira até 50, deixando 49 de homens portanto retirando 50 deles.Date: Sat, 25 Aug 2001 21:10:12 EDT From: Fenandafernandes@aol.com To: andsol@mtm.ufsc.br Subject: (nenhum assunto) Boa noite professor. Estou um pouco chateada e descontente. Nesta semana fiquei numa situação delicada, fui lecionar como professora eventual e o professor titular deixou com os alunos vários exercícios para correção. Até ai tudo bem, fomos com alguma dificuldade, mas com confiança. Dois dias depois retornei novamente na mesma sala e o professor titular foi indelicado, afirmando para classe que os meus resultados estavam completamente errados. [...] Peço desculpas por este desabafo, estava precisando de um amigo compreensivo. Encaminho em anexo os problemas para um breve parecer [...] [Part 2, Application/OCTET-STREAM (Name: "Problemas.doc") 28KB.]1-) No deserto, um matemático e seu amigo socorrem um viajante que morria de fome. O matemático tem 5 pães e o amigo tem 3. Eles juntam os pães, dividem em três partes iguais, e cada um come os 8/3 até chegarem a uma cidade.
O viajante era, na verdade, um rico príncipe. Para recompensar seus salvadores, deu 5 barras de ouro ao matemático e 3 barras de ouro ao amigo do matemático, dizendo:
Essas recompensas são proporcionais ao que vocês me deram.
Então, o senhor se enganou, disse o matemático. Essas recompensas são proporcionais ao que tínhamos, e não que lhe demos.
O matemático tem razão. O amigo dele tinha 3 pães e comeu 8/3, e isso é quase 3. Ou seja, ele não deu quase nada ao príncipe! Se as recompensas forem proporcionais ao que o matemático e o amigo deram ao príncipe, quanto cada uma deles receberá?
O príncipe recebeu 8/3, logo o matemático tinha 5 - 8/3 = 7/3 e seu amigo tinha 3 - 8/3 = 1/3, então o matemático deverá receber 7 barras de ouro e seu amigo apenas uma barra. OBS.: Neste problema os alunos afirmaram que o exercício está errado, conforme colocação do professor, mas não me forneceu o resultado. [...]2-) Das 100 pessoas que estão em uma sala, 99% são homens. Quantos homens devem sair para que a porcentagem de homens na sala passe para 98%?
O meu raciocínio: Supondo que 1 (1%) mulher, logo 99 (99%) homens, baixando a porcentagem de homens para 98%, sobe a porcentagem de mulher, passando para 2%. Logo uma mulher representa agora 2% e 49 homens 98%, então devem sair 50 homens.
O resultado do professor foi que deveria sair apenas um homem. Quando coloquei a minha resposta, todos ficaram abismados, indignados, a professora deve estar ficando louca, isto é impossível. Após a resolução correta ou incorreta destes dois exercícios não consegui controlar a classe e nem mesmo concluir o trabalho na resolução dos demais.
Fernanda, temos aqui um problema mas com certeza não conheço qualquer solução. Se eu tivesse um remédio para burrice, nem teria tempo para Te responder, pois estaria o produzindo dia e noite.
Apesar de tudo, a Tua situação não está tão ruím, pois você tem conhecimentos para conferir que você tem razão e você tem a quem recorrer para confirmar a sua convicção no momento de dúvida.
(Por sinal, os exercícios são exelentes. Imagino que os alunos ficaram envolvidos, né? Já é alguma coisa.)
Preocupante mesmo é a situação de Teus alunos (adolescentes? adultos?), pois os modos autoritários da escola já ficaram impregrandos nas mentes deles. Já tem-se aí uma massa para ser manobrada. Esse tipo de pessoa aceita passivamente o corte das economias no primeiro dia do governo de Collor ou gosta de ficar com a maioria do povo na eleição democrática gritando Heil Hitler. O tal de titular deve ser um caso difícil de consertar, a pergunta é: o que fazer com os alunos?
Eu diria que há duas coisas para fazer. A primeira é de procurar tornar-se uma boa profissional. Com tempo as pessoas vão ouvir com mais cuidado e respeito os seus argumentos, prestando mais atenção às suas razões e menos atenção a sua condição de ser mulher, jovem, não titular.
A segunda é de buscar uma vitória parcial. Diferentemente da Fórmula 1, aqui pode ter vitória em parte mas raramente a curto prazo. Se você conseguir transmitir a sua capacidade de analisar o problema e resolvê-lo matematicamente a alguns alunos, vai ser um avanço. Haverá alguns seres pensantes menos dispostos a acreditar em argumentos provenientes de cima pois eles saberão que bons argumentos vêm de cabeça.
Não se desanime. Isso não é um conto de fadas, isto é um sistema escolar, destruido há menos de 40 anos vai levar um tempo para sair desse progresso e voltar ao nível da escola pública dos anos 50